A tribo dos ilusionistas

SÓCRATES
“Procurando neste sentido penso que se verá: a ilusão é no muito diferente que se produz ou no pouco?

FEDRO
No pouco.

SÓCRATES
Sim, é certo: se pouco a pouco transpões, mais despercebido irás na direção contrária que a grandes passos.

O diálogo acima é parte [262a] do “Fedro”, de Platão. A passagem que antecede o diálogo sobre o discurso dialético mostra um erro comum no mundo político, o de se distanciar do objetivo desejado dando apenas um mínimo passo desvirtuado na trajetória inicial.

A criação de ilusões citada por Sócrates engana não apenas quem a vê, mas também quem a cria. É um duelo onde todos saem derrotados. O proponente, cheio de boas intenções mas desprovido de bom intelecto, jura estar sendo fiel a seu objetivo porém termina longe de onde queria chegar. Seu interlocutor não consegue perceber o desvio – pois ainda é muito pequeno para ser detectado – e, quando dá por sí, está longe de onde pensou que chegaria.

Na semana que se passou, o Brasil viu uma [não]notícia ser transmitida no maior telejornal do país, nela se propunha o escândalo do século, algo como o Presidente da República tem envolvimento direto no homicídio de uma vereadora. Quem escutasse a matéria concluiria que estava diante de um crime comum, que segundo o art. 86 de nossa Constituição leva o Presidente a ser submetido a julgamento no STF.

Porém, o ouvinte brasileiro absorveu o ensinamento de Sócrates, na filosofia ou no dito popular ‘gato escaldado tem medo de água fria’ e, assim, quando assiste um telejornal já o faz meio cabreiro. O brasileiro percebeu a ilusão quando, na própria “matéria jornalística”, ao final foi informado que segundo os autos do processo o apartamento visitado não tinha sido o 58 mas sim o 65. Apenas sete unidades separaram a verdade da mentira. Se pouco a pouco transpões, mais despercebido irás…

Em um país onde parcela da sociedade não aceita viver sob um governo que não seja o seu, o cidadão se vê a todo tempo tendo que esmiuçar trivialidades; buscar sempre as letras miúdas; desconfiar de toda sombra. Não precisaria ser assim se não vivêssemos na tribo dos ilusionistas, que a todo momento dão um passinho para o lado e, anunciado que estão apenas subindo no muro, objetivam escamotear seu verdadeiro destino: o Brasil socialista.

Na política brasileira, a esquerda declarada (vermelha) deu um passinho para o lado e abriu espaço para a esquerda disfarçada (azul). Um observador que não esteja acostumado a analisar esse balaio de gato chamado Brasil, olha para a esquerda disfarçada – também conhecida por esquerda light – e vê “o oponente da esquerda”. Por compreensão lógica conclui que está diante da “direita”. Foi assim que o brasileiro votou por 30 anos no PSDB e no PMDB acreditando que estava votando no estado mínimo e na privatização. Assim, da mesma forma que apenas um sommelier treinado consegue detectar os aromas de chocolate num Cabernet Sauvignon da Sicília, também apenas um eleitor brasileiro atento consegue olhar para o PSDB e ver Karl Marx de caneta e papel na mão escrevendo o futuro do Brasil.

Não se deixe iludir. Aumente suas aptidões e esteja pronto para ver além. Neste mundo de ilusionistas é preciso estar sempre pronto, até mesmo diante de uma formiga(!), pois pode se tratar na verdade de um leão.

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