Como se diz no original…

Ao lermos Teologia ou até mesmo ouvirmos um sermão, é comum ler ou ouvir o autor/pregador utilizar expressões no idioma original (grego ou hebraico). Algumas pessoas têm dificuldades com esse tipo de exposição, não apenas por desconhecer os idiomas mas também por entender que são exposições desnecessárias e que mais complicam do que esclarecem. Quão curioso não é, porém, vermos que esse costume consta também na própria Bíblia!?

No Evangelho de São Mateus, no primeiro capítulo onde encontramos o Anjo do Senhor aparecendo em sonho para José, com o intuito de tranquilizá-lo com relação à gravidez de sua desposada jovem (e virgem) Maria, diz o texto:

“[…]eis que em sonho lhe apareceu um anjo do Senhor, dizendo: José, filho de Davi, não temas receber a Maria, tua mulher, pois o que nela se gerou é do Espírito Santo; ela dará à luz um filho, a quem chamarás Jesus; porque ele salvará o seu povo dos seus pecados.

Ora, tudo isso aconteceu para que se cumprisse o que fora dito da parte do Senhor pelo profeta:

Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho, o qual será chamado EMANUEL, que traduzido é: Deus conosco.” — Mt 1

As referências mais antigas da Igreja falam sobre a redação de Mateus como tendo sido realizada primeiramente em hebraico (talvez até mesmo em aramaico), é o que nos atesta Papías (II d.C) e Eusébio de Cesareia (III d.C). Papías foi das primeiras gerações de discípulos do apóstolo João, e feito Bispo da Igreja em Hierápolis uma cidade da Ásia Menor na atual Turquia; Eusébio foi Bispo em Cesaréia.

Referente a Mateus, diz o seguinte:

“Mateus ordenou as sentenças em língua hebraica, mas cada um as traduzia como melhor podia.” — História Eclesiástica, III, XXXIX, 16.

Ao pensarmos sobre o texto original de Mateus vemos um homem escrevendo um pergaminho em hebraico e ou aramaico, com objetivo óbvio de alcançar a comunidade judaica (de outra forma teria escrito em grego), e após relatar o sonho de José — que os companheiros de Jesus conheceram pela exposição que o próprio José fez em vida, tanto diretamente aos discípulos como também por meio da família de Jesus — o autor fecha as aspas e explica o porquê do sonho (“Ora, tudo isso aconteceu para que…”), e repete então a profecia de Isaías (7.14) que diz:

“Portanto, o mesmo Senhor vos dará um sinal: eis que uma virgem conceberá, e dará à luz um filho, e será o seu nome Emanuel.”

Mas após repetir o trecho do pergaminho do profeta Isaías, Mateus explica o significado de uma palavra que ele mesmo acabou de escrever, o que deixa evidente que temos aqui um dos trechos a que o Bispo de Hierápolis refere-se quando diz que “cada um as traduzia como melhor podia”. O que não é novidade para nenhum estudante de teologia, uma vez que o objetivo dos próprios autores desde o século IV da era pré-cristã era escrever não um texto único para ser protegido de cópias, mas exatamente para ser copiado à revelia. Diz o autor do Evangelho:

“o qual será chamado EMANUEL, que traduzido é: Deus conosco”

“Que traduzido é…”, ou seja, o autor deste texto não está mais escrevendo em hebraico, pois explicou o significado da palavra (em hebraico) עִמָּ֥נוּ אֵֽל: “Deus conosco”.

A necessidade de utilizar expressões em outro idioma não é “mera retórica”, antes advém do interesse do escritor em buscar entender a mente do autor primeiro. Veja que עִמָּ֥נוּ אֵֽל é a união da preposição “com”, e o sufixo pronominal “nós”, que resulta em Português “conosco”, acrescido de uma segunda palavra que é “Deus”. O Evangelho está dizendo que o filho que nascerá daquela união de uma Semente divina com um óvulo humano no ventre de Maria, será a encarnação da divindade (que receberá não o nome de Emanuel, mas de Jesus).

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