O criticismo literário

Em seu livro Um experimento em crítica literária[1] (A experiment in criticism), Lewis propõe um experimento — que só é revelado ao leitor no capítulo 11 — para avaliar o livro e não o leitor. Note que o título original da obra revela um ponto necessário de ser observado aqui, criticism é uma palavra que significa literalmente crítica (ação), e não unicamente crítica literária; mas, para nós leitores do XXI (e brasileiros), falar de crítica não é remeter-se imediatamente à crítica do mundo da arte; assim, o tradutor adaptou corretamente a expressão para uma palavra composta. Por si essa opção do tradutor já demonstra a diferença temporal e local entre a obra de Lewis publicada em 1961 e a que temos em mãos, e a qual lemos na terceira década do XXI, no Brasil. Não temos a Literatura como arte de nosso cotidiano e nem mesmo nos interessamos por crítica literária. Assim, grande parte dos problemas que o autor trata ao longo da obra simplesmente não encontram referencial em nossas vidas. Triste mas, isso não é culpa do Lewis, enfim…

Ao longo dos 11 capítulos trata o autor das mais variadas questões relacionadas à leitura e à escrita, e sua proposta até o décimo capítulo é, em suas próprias palavras, “fornecer o aparato para seu experimento”. Se fala sobre música, relatos míticos, fantasia e realismo o faz apenas para, com isso, ter as ferramentas para demolir a ideia errônea de que maus leitores são aqueles que leem livros de conteúdo útil ou prazeroso, e bons leitores são aqueles que se dedicam à literatura pela Literatura.

Para o crítico literário C. S. Lewis, a segunda metade do XX foi marcada pelo “criticismo”[2], e nos primeiros capítulos ele discorrerá sobre o que é a leitura e quem é o leitor. Sua estratégia é mostrar que sabe do que está dizendo, e o faz entregando ao leitor do Experimento uma enxurrada de citações de obras que leu ao longo da vida; e mostrar que o leitor não é um crítico literário, mas “apenas” um leitor — “uma criança solitária ou o comandante de um navio em uma longa viagem”. Lewis tira o julgo colocado sobre os ombros dos leitores e dá a eles, primeiramente, liberdade para ler o que quiserem, e em seguida os instrui sobre como escolher uma boa obra e divisá-la na multidão.

Partindo da divisão básica do mundo dos leitores entre literatos e não literatos, o autor de As Crônicas de Nárnia coloca-se, por óbvio, no primeiro grupo — inteligente de sua parte uma vez que todo leitor também faz o mesmo. Literato é o bom leitor, ou seja, o da arte pela arte; o não literato é o não apreciador da arte, que a visita apenas, não tem nela morada. A condução do experimento se dá perfeitamente da forma como desejou Lewis, e por fim ele pode chamar-nos todos à análise das obras e, municiados com um método, ensinar-nos a julgar se um livro é bom ou não.

Por fim o ensaio é concluído no tempo certo, antes que se torne cansativo, e da forma certa, sem fornecer ao leitor um processo moralista que transforme Lewis em um dos críticos que ele mesmo exorta. Para não dizer que tudo o que tinha de ser considerado o foi, faltou apenas o autor se lembrar de que o não literato simplesmente não liga para os textos de crítica literária, ou seja, não faz a menor diferença para eles o que os críticos pensam dos livros divertissements ou de seus leitores… enfim, o Experimento é um bom livro para os literatos e os críticos.

Na aula de hoje (21/3), na Escola de Conservadorismo, faremos a análise da obra e nos debruçaremos sobre os principais pontos levantados pelo autor, tais como:

  • Diferença entre Logos e Poiema;
  • A Poesia no mundo da Literatura;
  • Diferença entre Escritor, Filósofo e Teólogo;
  • Realidade e Fantasia, Jornalismo e Ficção;
  • A palavra como símbolo; e
  • A literatura para crianças.

[1] Publicado no Brasil pela Editora Thomas Nelson Brasil em 2019.

[2] A palavra utilizada pelo autor (criticism) tem sentido dúbio, referindo-se tanto à própria crítica em sí como também a uma “mania de crítica”, um criticismo (detalhe para o sufixo -ismo em nosso idioma) denotando uma “escola de crítica literária” que havia tomado para si o vício de ser impiedoso com os escritores e leitores, tema que é abordado pelo autor no capítulo 11.

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