O festim dos desvalidos


Você veja a aridez de leitura do cenário político em que está o bolsonarista. Após se eleger com uma plataforma propositiva e abandoná-la de imediato após a vitória, Jair Bolsonaro não realizou simplesmente nada do que prometeu em campanha, antes conseguiu que seu maior inimigo se tornasse a própria base de sustentação do governo, o Centrão dando todas as cartas na Casa Civil (o Dirceu do Bolsonaro, como tem sido chamado Ciro Nogueira entre os políticos). De guerreiro contra a sexualização precoce de crianças, Jair colocou um homossexual travestido de mulher dentro da própria casa, em um símbolo perfeito de quem “rasgou a cartilha” após vencer as eleições, uma vez que antes de vencê-la o então deputado andava pra cima e pra baixo com a “cartilha do Haddad” debaixo do braço. No ano de 2021 se tornou o maior bravateiro da República, sobrepondo uma polêmica sobre a outra pra esconder o fato de que é um fantoche do Centrão, e não tem poder além do cercadinho. Porém… na última semana o presidente disse que entraria com o pedido de impeachment do Alexandre de Moraes e do Barroso e, mesmo enrolando até o último minuto da sexta-feira, entrou apenas com o do Alexandre de Moraes. Foi o bastante para a militância-arminha-com-a-mão entrar em êxtase e voltar a cantar “Bolsonaro é Lira, Lira é Bolsonaro!”.

O Brasil está imerso numa hipnose coletiva onde ninguém faz mais nada além de esperar o fim da pandemia, e enquanto o velho normal não vem, as pessoas se divertem contabilizando quem tem menos derrotas na vida. Um foi vacinado e não teve reações alérgicas, outro ainda não foi vacinado pois está conseguindo driblar o RH, outro é a favor do Estado Democrático de Direito e está feliz com o poder ímpar do STF… e nesse festim da penúria, o bolsonarista comemora que o Presidente acaba de [quase] cumprir o prometido – afina, fato raro – e ignora que o passo dado por Jair Bolsonaro ontem apenas irá piorar sua situação no Poder, uma vez que não tendo mais nenhuma carta na manga, Jair Bolsonaro volta a ter apenas o “apoio nas ruas” – que hoje é muito menor do que em 2019, quando o Presidente ainda ensaiava uma “voz do povo na Presidência”.

Todas as fichas estão apostadas no sete de setembro, onde Bolsonaro espera virar o jogo eleitoral com uma jogada de rua. Seus problemas porém contam-se às dezenas, sendo os maiores deles o fato de que o Centrão, o pilar de seu governo, não é favorável às manifestações, muito pelo contrário já anunciou que precisa de paz para aprovar as reformas; o TSE está decidido a não permitir nenhuma ação que desestabilize a disputa por votos no próximo ano, isso inclui manifestações de rua, militância organizada em rede social e financiamentos coletivos para campanha antecipada; enxurrada de processos criminais, eleitorais e administrativos que o atual presidente traz nas costas; e até mesmo a dominância avassaladora que o Centrão alcançou no Governo Federal, deixando claro que mesmo que Bolsonaro consiga o impossível, se candidatar e vencer ano que vem, ganhará apenas o direito de ser o fantoche do Centrão.

Toda essa realidade já desanimou grande parte da militância que estava mobilizada em 2018, mas uma pequena parcela continua firme na internet, alimentada por injeções de adrenalina aplicadas pelos deputados da base, hoje não mais legisladores mas verdadeiros agentes de saúde política, vacinando o Seu Zé e a Dona Maria contra o vírus J8-32, aquele que tem como principal sintoma fazer com que o hospedeiro abra os olhos e faça contato com o que está diante de si: a verdade.

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