Tô certo ou tô errado?

Você já percebeu que as pessoas que falam “Bolsonaro não pode fazer nada” são as mesmas que dizem “você precisa fazer alguma coisa”? Esse “estado de autismo”[1] em que o Brasil está é compreensível, não é preciso mais que um exame rápido para detectar os porquês da vida desconectada para com a realidade.

Todos nós sabemos que o homem está condenado a viver de acordo com seus limites mentais, é na mente que está imposta a limitação de suas viagens. Assim como a criação do avião não poderia preceder a criação do sonho de Ícaro, o nascimento de qualquer realidade é precedido por um pensamento que vem à luz e nos diz “é possível!”. É por isso que o corpo humano sempre é o último a chegar… nos ares, no espaço, nos lábios da amada. É sempre a imaginação a chegar primeiro e lá fincar a bandeira de nosso domínio.

A expansão da imaginação é também a expansão das possibilidades, e não é por outra razão que as possibilidades do brasileiro não passam da política. O brasileiro não conhece a ação humana. Pergunte a qualquer um que esteja próximo de você quem foi o maior filantropo brasileiro; um grande homem de fé; quem conseguiu mudar a realidade educacional de sua cidade; um herói da engenharia; uma poetisa virtuosa; o ídolo da força policial; o guerreiro admirado em campo de batalha. O Brasil não tem referenciais além do mundo político. Getúlio, Carlos Lacerda, JK, Figueiredo, Itamar Franco, Lula, Bolsonaro… são esses os únicos homens de possibilidades na imaginação do cidadão brasileiro, e é justamente por saber desse problema de formação em nosso povo que o próprio Ciro Gomes, outro político de carreira, já está produzindo (há mais de um ano da próxima eleição) suas peças de campanha publicitária com a frase “fora da política não há solução para nenhum de nossos problemas”.

Com a mente capturada pela política brasileira, o cidadão ainda que posto diante de duas péssimas opções sempre se verá obrigado a “escolher a menos pior”, pois “é preciso fazer alguma coisa” para evitar a destruição do país. E assim estamos há 500 anos sem produzir literatura e música, construir projetos relevantes na área social ou inovar em meio à maior biodiversidade do mundo. Tudo sacrificado em prol da ação de curto prazo, a salvação [imediata] da pátria.

Enquanto o eleitor brasileiro não passar a consumir arte, não entenderá sequer que existe vida além da política… descobrir a arte é descobrir um mundo de possibilidades imaginadas por outro; contemplar uma obra literária, musical, encenada… é abrir seus olhos para ferramentas de transformação, meios que levam ao fim desejado e que erroneamente tem sido terceirizados para os agentes políticos — ainda que incessantemente eles se mostrem dos piores que já pisaram sobre a Terra.

Eu entendo por que o bolsonarista não enxerga possibilidades “se não for o Bolsonaro”: ele não conhece o mundo e suas possibilidades. Quando defrontadas com uma questão grave, essas pessoas sempre tem conclusões extremas – o que é natural de pessoas que desconhecem as nuances. “Qual a explicação para o COVID-19?” O fim dos tempos. “Qual a solução para o Brasil?” Jogar uma bomba no Congresso. “Por que o papa adota um discurso socialista?” Ele é o anticristo. E não poderia ser de outra forma, afinal o que esperar de alguém cuja linha de horizonte está a um palmo diante do nariz? Não é sequer justo esperar criatividade e lucidez de uma população que não conhece nada do mundo, mora em um país continental com um único idioma e cercado por miséria a oeste e o Atlântico a leste. O pagador de impostos está preso a uma realidade própria, onde nada importa e não há solução além de “eleger Fulano de Tal em 2022”. O país do salvador da pátria, Sassá Mutema.


[1] No livro “O futuro do pensamento brasileiro”, Olavo de Carvalho escreveu que “[…]à medida que o passado se afasta de nós, vai ficando cada vez mais difícil tomá-lo como termo de comparação, e uma época que não pode ser comparada senão consigo mesma está reduzida a um estado de autismo”. É o perfeito retrato do Brasil atual em que o “eleitorado de Direita” se enclausurou no presente imediato, ignorando o passado e o futuro, pensando apenas a curto prazo pra frente e pra trás.

error: