Do esvaziamento do poder real

Em uma palestra que proferi meses atrás, um participante me perguntou: “não é estranho, em pleno séc. XXI, na era da informática vocês ficarem falando de monarquia, imperador, rei?”.

A compreensão que se tem do significado dos vocábulos poder e autoridade é hoje uma emaranhado de distorções acerca da própria concepção da bondade.

A sociedade moderna, essa tal “da era da informática”, é uma geração de pessoas voltadas absolutamente à busca do prazer, da aprovação, da satisfação de vontades e da busca da alegria, conjunto de sensações momentâneas que, em pessoas incapazes de à semelhança do Criador avaliarem corretamente o fruto de sua obra “[…]e viu Deus que era bom”, findam por dar novo significado a um termo já muito bem definido e registrado nos corações e nos dicionários:

                    Bondade: qualidade de quem tem alma nobre e generosa.

Em Israel, o povo que não tinha um rei deste mundo mas sim o Espírito que os guiou pelo deserto, incapazes de diferenciar o mal do bem e o efêmero do perene, clamaram ao profeta que ungisse um dentre os seus para que os liderasse em batalha, e assim à semelhança dos outros povos tivessem alguém que andasse à frente de seu exército. Como resposta, Aquele que conhece todas as coisas ordenou ao profeta “atenda a tudo o que o povo está lhe pedindo; não foi a você que rejeitaram; foi a mim que rejeitaram como rei” (I Sm 8:7).

Esse é o episódio histórico que anuncia como em espelho a divinização da Democracia em nossos tempos. Um povo que, não reconhecendo a Bondade se lança na busca pelo que é bom.

Um dos grandes homens brasileiros que escreveu sobre Conservadorismo, Manuel Alves Branco, chamado por João Camilo de “um liberal de espírito conservador”, disse:

O Poder Moderador não luta, é um poder benéfico, o que não é uma ficção, mas uma verdade. O mal só poderá ter lugar quando esse poder obrar pelas paixões do Ministério, quando o Poder Executivo puder impedir atos de beneficência que o Poder Moderador queira fazer a um que não seja dos amigos do Ministério. O mal dos atos do Poder Moderador nunca pode vir de sua natureza, mas de circunstâncias externas como essa (discurso proferido em 10 de julho de 1841).

Outros grandes conservadores, percebendo que os brasileiros seguiam à sombra dos hebreus dispensando um líder Eleito em busca de um por eles mesmos elegido, registraram em 1848:

“Vossa Majestade Imperial não É, não Pode, não Deve ser homem de partidos. A Divina Providência O fez somente o homem do partido da prosperidade e da grandeza do país que o chamou a governar”. (Anuário do Museu Imperial, v. XI, p. 62)

Essa lucidez de enxergar o líder como Eleito e no ato de governar o exercício do Poder, é a perspicácia de entender que “reinar não é governar” e que, um povo precisa de governo mas também de liderança. O Parlamento, que nasceu para desempenhar a função de ouvir o povo e o representar diante dos governantes, hoje se transformou no braço que assenta a pedra, a mão que segura a pena e o pulso que maneja a espada. A Era das Leis é a usurpação do Espírito pela letra, a ideia de que somos governados por um contrato [social] e que, se está escrito, é.

Não é!

A comunidade brasileira sente falta de um líder mesmo tendo uma legião de representantes; esse vazio político-representativo foi a mola que a impulsionou ir às ruas clamar por um retorno àquilo que lhe foi tirado sem que lhes deixassem perceber: o senso de percepção da realidade, a capacidade de olhar para algo e ver que é bom. O brasileiro quer seu espírito de volta ao corpo; o amor pela terra vermelha que o batizou; o apego à cultura popular que misturou a muitas mãos.

Nos últimos dias tenho visto o Presidente da República – cargo já tão esvaziado de poder por sua própria natureza democratizante – ser esvaziado da autoridade de fazer, e isso por parte deste Parlamento brasileiro que acabamos de definir acima, gente que transforma a pena em ferramenta de execução, legislação e julgamento. A realidade que temos vivido é preocupante e é preciso lucidez e grandeza de espírito por parte de nossos governantes. Que o Criador tenha misericórdia do Brasil e, assim como não destruiu o seu povo quando este o rejeitou, antes o abençoou escolhendo dentre a multidão um “sem igual entre os israelitas; os mais altos batiam nos seus ombros”… que o Brasil sobreviva à tentativa constante de esvaziamento da Presidência e se destaque dentre as nações que o cerca.

 

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